31.10.05

Novo candidato ao Supremo Americano

Chama-se Alito o novo candidato de Bush para o Tribunal Supremo dos EUA. Pelo que parece, é um candidato com fortes credenciais conservadoras, comparado em opiniões a Scalia (alcunharam-no de Scalito), mas tem um cv adequado, ao contrário de Miers. Era prevísivel que entre jogar ao centro e apelar à base conservadora que tinha ficado lixada com a escolha Miers, Bush escolheria a sua base. Más notícias, mas parece-me que podia ter sido ainda pior.

As Guildas de Artes e Ofícios

Há uns tempos falava com um colega holandês acerca das Ordens dos Médicos (a nossa e a deles).
Queixei-me na altura da impossibilidade que há de um médico ser considerado culpado de negligência profissional, por causa da tendência natural que há para os seus colegas o protegeram. Mais referi, a título de exemplo do mesmo princípio, o quão raro era um juíz ser considerado culpado enquanto réu num julgamento.

O meu colega achou que o que eu dizia não fazia muito sentido*. O que acontecia, segundo ele, era precisamente o oposto: que se houvesse suficiente suspeita de que um médico ou juíz tinha feito asneira, os seus colegas o puniriam até excessivamente, zelosos em salvaguardarem a idoneidade do seu ofício.

Isto ilustra a diferença entre culturas individualistas (eles) e culturas gregárias (nós).

PS: A propósito, entre as culturas individualistas encontram-se os países mais ricos (eg: USA, RU, França). Tipicamente, as culturas gregárias são mais pobres (eg: Brasil, Rússia). Claro que a correlação não implica causalidade em nenhum dos sentidos.
Quando tiver tempo e pachorra falarei mais deste assunto.

* O que, acreditem ou não, acontece-me às vezes...

Medo

O medo odeia o desconhecido, é manancial de intolerâncias e de racismos.
O medo hipoteca tudo à segurança, é manancial de ditaduras e de prisões.
O medo atira primeiro e pergunta depois, é manancial de agressões e de guerras.
O medo tolhe o raciocínio, cataliza o instinto, é manancial de devolução e de barbárie.
O medo é lixado e muito perigoso.

30.10.05

Estava aqui a pensar...

Como é que os cegos fazem testes de QI?

Raios...

Bilhetes para o Zorro esgotados, mesmo para a sessão da meia-noite.
Acho que vou ter de passar a noite em casa e ver uma treta intelectualoide qualquer.
Aluguei os dois DVDs do "Ivan o Terrível" e já cá os tenho intocados há uma semana mas francamente estou sem grande pachorra hoje.
Se bem lembro a CZJ não aparece, nem nenhuma outra gaja particularmente boa...

29.10.05

E como prometer Ferraris a todos os portugueses...

"É em nome deste conjunto de ambições para Portugal que, nos tempos difíceis que o País atravessa, considero necessária a minha candidatura a Presidente da República. Fazê-lo é para mim um imperativo de consciência."

O verdadeiro imperativo de consciência para Cavaco se candidatar é que tem uma boa possibilidade de ganhar e era crime deixar isso passar.

Porque ideias é que este homem se bate? Vem a público dizer que colabora com qualquer Governo, o que na essência quer dizer que se está marimbando para o que aconteça, desde que lhe dêem o tacho que lhe negaram há dez anos.
E se o governo for do POUS? Ou do Partido Nacional Renovador? Qualquer Governo, diz ele.

E por favor poupem-me ao argumento de que se tal governo acontecesse seria a vontade soberana do povo porque o nosso sistema democrático é um sistema em que o respeito pelos direitos das minorias é essencial. Se Cavaco não soubesse isso não poderia nunca servir como PR num país democrático.

As ambições do homenzinho para Portugal, como diz o Vasco Pulido Valente no PÚBLICO de hoje, são essencialmente uma lista genérica que serviria bem qualquer candidato a presidente.

Tudo lá cabe, incluindo a coesão e a justiça social. Quem o conhece dos 80s e 90s só se pode rir com as ambições de coesão e justiça social deste homem.

Cavaco vê o cargo de Presidente da República com uma forma de se canonizar, de se divinizar, qual grande César. O que ele promete é simplesmente fazer tudo por todos e dar tudo a todos porque sabe que na verdade, na qualidade de presidente, não terá o poder - e portanto também não a obrigação- de dar nada a ninguém. O que padece de uma absoluta desonestidade intelectual, que só é possível a um homem que sempre considerou todo o sistema democrático uma farsa e um empecilho, como é o seu caso.

Como pode este homem servir como garante de um regime pelo qual mostra tal falta de respeito?

A Fé move montanhas

Na Chanson de Roland, os Pares de Carlos Magno são atacados à traição pelos Sarracenos de Espanha.
Os números estão contra eles, mais de 100.000 mouros contra os menos de 20.000 cristãos.
Os sarracenos têm os números (os factos) do seu lado e por isso têm fé na vitória. Confrontados com a morte desesperam.
Os cristãos são homens pios: a fé dá-lhes força sobrehumana, e essa fé vergará a realidade. Quando morrem, morrem como mártires, e têm o lugar destinado à direita do Pai. As suas mortes são tristes, trágicas, mas serenas.
Rolando é um louco de Deus, incapaz de se render às evidências, vive e morre pela fé; sacrifica os seus homens pela fé, e acaba afinal por propiciar uma grande vitória ao seu Imperador.

Se calhar o que nos vale é que o "Imperador Cristão" dos dias que correm é também um homem muito pio...

Para terem uma ideia onde isto chega, vejam este artigo do Ron Suskind, e, se tiverem tempo, leiam este livro, que nem é assim muito grande.
É material um bocadito antigo, mas ainda muito relevante.

28.10.05

Já não me sinto tão só

Um em cada cinco portugueses com qualificações superiores trabalha no estrangeiro publicita o JN de hoje. Isto põe o nosso jardim à beira mar plantado no topo do ranking europeu de perda de cérebros (o que ajuda a explicar muita coisa).

(IRONY ON) Estranhamente, parece que o problema é que não há oportunidades à altura dos diplomas!(IRONY OFF)

A vantagem, por outro lado, é que nós que trabalhamos cá fora lá vamos gastando dinheiro na terreola para que a malta possa continuar por aí a curtir o solzinho
(e depois ainda me acusam de traição, de ter recebido educação quase de graça para ir contribuir para a prosperidade dos estrangeiros... ai ai, seus ingratos).

Uma oportunidade perdida

O novo presidente do Irão, um homenzinho mal-vestido de cara troglodítica, barba mal-aparada e um nome muito complicado, veio dizer numa conferência apelidada de "O Mundo sem Sionismo" que "Israel deve ser erradicada do mapa".

Chocante, idiota, insano, isso tudo, concordo.

Mas agora substituam "Sionismo" por "Jardim", "Israel" por "Madeira", fechem os olhos e sonhem...

Sabe bem, não é?

As palavras de um grande estadista (ou Se me derem o tacho eu prometo portar-me bem)

"De mim, o Governo, qualquer Governo, pode esperar cooperação. Sobretudo a cooperação estratégica que permita ao país percorrer solidamente os caminhos da modernização e do progresso"

Aí está o Cavaco 2005, flexível e interactivo, o Cavaco-internet, completamente diferente do Cavaco-martelo dos oitentas e noventas.

E a tradução de politiquês para português:

"P'ra mim, como Governo, qualquer merda serve. Isto de ser presidente, de qualquer das formas, é mais p'ró valor que outra coisa. Desde que eu tenha o poleiro, eles que façam o que lhes der na real veneta."

27.10.05

Gajas boas

Para cobrir os assuntos principais que pretendo tornar o eixo deste blog (mas não um eixo do Mal), de acordo com a proposição, falta-me falar de gajas boas.
(óbvio espero que seja que as chocas de PLG e a Miers não contam...)

Uma das minhas gajas boas preferidas está de volta na "Lenda de Zorro".
Sim a Catherine ZJ. Admito que aquela história do Michael Douglas a desvirtuou (de certeza que não a desvirginou) um bocado.
E ainda pior foi o Entrapment com o Avô Cantigas.

O Jorge Mourinha, crítico do Público, deu ao novo filme duas estrelas, o que para um jornal armado em intelectualóide de corrida é obra, mas tendo em conta as inclinações do crítico em questão, suponho que as duas estrelas vão direitinhas para os olhos castanhos do Banderas.

Pelo que me diz respeito continua a incógnita: será que ela volta tão boa como no primeiro Zorro?
Ou tão matrona como no Traffic?
No sábado já devo saber qualquer coisa. Sei que os meus milhões de leitores esperarão ansiosamente o veredito do mestre.

PS: será que dava para ela aparecer num biopic sobre o Miles Davis?

'Tava-se mesmo a ver

A Miers retirou a nomeação para o Supremo Tribunal americano. De certa forma, já era coisa esperada, pois nem a direita conservadora nem a esquerda a apoiavam. Por outro lado, não tinha o currículo adequado ao cargo. Bush, vendo-se atacado pela sua própria base, ainda piorou as coisas afirmando que uma das razões por que a queria no ST eram as suas crenças religiosas.

Banam Os Lusíadas e os Descobrimentos da escola!

Tenho-me fartado de dizer isto: "Os Lusíadas" e os descobrimentos portugueses são das piores coisas possíveis para ensinar aos putos lusitanos. Mas basta sugerir isto a algumas pessoas e caiem-me logo em cima a acusar-me de falta de patriotismo e até de ódio à nação
Na NY Review of Books de há duas semanas foi publicado um artigo sobre Richard Feynman. Num excerto citado de uma carta, Feynman usa um argumento semelhante ao meu quando explica à mulher os problemas do sistema de educação grego:

"the Greek educational system, with its overwhelming emphasis on the glories of classical Greece, gives children a bad start in life, teaching them that nothing they do can equal the achievements of their ancestors" .

Pensem nisso. E no facto de que a maior parte dos portugueses sai da escola sem saber nada da história portuguesa do século XX (incluindo PIDE e as guerras coloniais), ou da literatura estrangeira (da última vez que olhei autores como Dostoevsky ou Hemingway nem sequer eram mencionados nos nossos currículos).

26.10.05

Na livraria da Universidade de Aveiro

Há uns tempos fui à livraria da Universidade de Aveiro. Tendo a dita universidade um curso de Português, Latim e Grego (conhecido no meu tempo sobretudo pela grande quantidade de choquinhas que por lá andavam e as quais até dava p'ra papar, desde que na noite do baile académico, que durante o resto do ano não saíam de casa) pensei que o sítio era adequado à minha prospecção por títulos clássicos traduzidos na língua de Camões.
Ando às voltas pelas estantes, vejo bués de Paulo Coelho (ao ponto de quase me dar um cancro nos olhos, ou um ataque de fúria orlandiana de grau 5 em 5 na escala das tempestades tropicais), uns Harry Potters, pois claro, mas Ovídio, nem visto nem achado.
Chego-me à senhora que está ao balcão, com o meu ar costumeiro de 007, um pouco perigoso, sim, nas charmoso, sim, sedutor, cavalheiro perfeito:
-Boa tarde.
-Boa tarde.
-Estava à procura do "Metamorfoses".
-Sim senhor.
Ela olha para o monitor e põe-se a teclar agilmente.
-Ummm, "A Metamorfose". Está ali ...
-Mmmm. Não. Não é a Metamorfose. Isso é do Kafka. O que eu queria era o "Metamorfoses", do Ovídio.
-Aaaah!
Ela olha para o monitor e põe-se a teclar agilmente.
-Ummm. Não, não encontro. Esse livro não existe. Tem a certeza que é assim que se chama?
-Sim, deve chamar-se assim...
-Sabe o nome do autor?
(Se recordarem a maneira como eu lhe perguntei pelo livro entenderão o meu momento de dúvida e confusão)
-Err... Ovídio?
-Sim, mas quem é o autor?
-O Ovídio, o romano?
-Ovídio?
-Sim.
-Ah, então o livro chama-se só "Metamorfoses"?
-Sim.
-Ah, é que eu pensava que o senhor tinha dito que o livro se chamava "As Metamorfoses do Ouvido"

Pois.
Só para terminar: aparentemente, esse marco essencial da literatura mundial não está correntemente disponível na língua de Camões, a menos que contem com a versão em brásilêro. Aliás, bem poucos dos clássicos estão. A minha colecção de gregos e romanos é quase toda em inglês, o que é chato. Grande Frederico Lourenço, que lá nos salvou a honra do convento.
Já agora, que é que fazem as choquinhas de Português, Latim e Grego que estão no desemprego?

Provavelmente sentadas à espera que do Governo lhes caia pão e queijo, como de costume...

Momento LD

Descobri há uns poucos dias que posso ouvir a RDP através da Internet (eu sei que ando sempre na cauda das inovações tecnológicas). De qualquer modo, manhã cedo, lá vou eu todo lampeiro ouvir as notícias da RDP enquanto tomo o pequeno-almoço. A qualidade do som é roufenha, da p'ra perceber o que dizem, mas as vozes parecem ser sacadas a um disco antigo dos Kraftwerk. Distraio-me por instante e de repente está um robozinho qualquer a fazer a análise da conjuntura política nacional. Eu ouço por uns intantes e penso: "Que pilha de baboseiras! Este gajo é tipo Luís Delgado."
E eis que outro robozinho diz "E este foi o comentário da actualidade nacional de Luís Delgado."

Querida Maria: será que é amor?

Começando por um dos meus assuntos preferidos...

Pois é. Era prevísivel. Vários colegas meus têm-me chamado milhentas vezes de ingénuo quando me mostro chocado com as brincadeiras do Bush e Cia em Abu Graib e em Guantanamo. Falam-me de "real politics" e da necessidade de reconhecer a diferença entre um safanão e agulhas debaixo dos dedos. Os opinion makers pró-americanos primários estilo Pacheco Pereira, José Manuel Fernandes e o inefável Luís Delgado (acerca desse ainda hei-de falar muito, porque quando estou de mau humor basta ir dar uma voltinha à página do dn ou do diariodigital para me fartar de rir) dizem-nos que está tudo bem, que os EUA continuam (?!) a ser uma força de bem no mundo, mas aí está, a saga que continua.
O editorial do Washington Post de hoje fala dos infatigáveis esforços desse padrinho da Máfia neo-conservadora chamado Dick Cheney em prole da legalização da tortura.