14.12.05

O mais mal amado dos meus microcontos

Acordar

Naquela noite dormiu cinco horas. Tivera um longo e detalhado pesadelo que não lembrava, mas que se mantinha no limiar dos seus pensamentos como o vulto ameaçador de um assassino na periferia da visão.
Não se levantou logo. Espreguiçou-se no colchão e entreteve-se a rogar pragas ao despertador. O som agudo e repetitivo no meio da quietude nimbada da madrugada tinha algo de obsceno.
Por muitas vezes se decidiu a levantar daí a cinco minutos. Quando o final do prazo estava a chegar, de novo o estendia. Parecia o paradoxo de Zenão: Aquiles a correr, uma tartaruga inalcançável e o mundo não existe.
Quando se ergueu tinha passado meia hora desde que acordara.
Foi à casa de banho e olhou-se ao espelho. Com o cabelo em desalinho, a barba de três dias e as enormes olheiras negras parecia mais um bandoleiro que o belo galã que dava a volta à cabeça das meninas.
Os dois dias de férias tinham sido em cheio. O seu jeito para o engate era mítico, mas desta vez excedera-se: a moçoila tinha sido de comer e chorar por mais. Era daquelas tipo petite fleur rouge, ingénua e fervorosa crente. Os do clube iam ficar doidos quando lhes enviasse a video-cassete.
Barbeou-se e tomou um duche frio. Secou e penteou o cabelo. Olhou-se nu, a corpo inteiro, no largo espelho do guarda-roupa. Fez uma pose de toureiro vitorioso. Teve uma súbita e forte erecção. Masturbou-se e tomou outro duche.
Demorou a escolher um perfume entre os frasquinhos alinhados na prateleira do lavatório em jeito de armas numa panóplia. A sua profissão obrigava a uma certa discrição, mas nunca se sabe quando e onde é que a próxima oportunidade de conquista vai aparecer e é preciso estar sempre a postos.
Vestiu a batina e ao fazê-lo bufou de tédio prenunciado. Acabara de se lembrar que era sábado, dia de ouvir confissões, dia das velhas beatas e dos seus infindáveis e risíveis pecadilhos.

2 Comments:

Anonymous Anónimo ripostou...

O senhor tem sido um blogger muito mauzinho, vai ser castigado.

1:22 da tarde  
Anonymous Anónimo ripostou...

Tenho uma reclamação a fazer relativamente a este microconto: muitos dos meus amigos são padres, mas apenas alguns são punheteiros.

4:34 da tarde  

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