7.11.05

O lusitano e a culpa

As universidades em Portugal são um excelente caso para estudo da realidade portuguesa.

Quem lá tenha andado sabe que a quantidade de reprovações é inacreditavelmente grande. Por exemplo, lembro-me que no meu tempo, na cadeira de Ondas, havia mais de 700 alunos inscritos, dos quais metade ía a exame, dos quais metade entregavam o exame, dos quais menos de 5% passavam.
Para os alunos (e faço aqui o meu mea culpa por ter sido um deles), os resultados abissais são obviamente da responsabilidade dos professores, que fazem exames incrivelmente difíceis, que não sabem ensinar e que não ligam um corno aos alunos e aos problemas deles.
Para os professores, isto é obviamente da responsabilidade total dos alunos, que não ligam peva, que são burros, preguiçosos e irresponsáveis.
Mas essencialmente, a verdade é que ambos os lados usam a estratégia do passer la patate chaude.
Se se tentar fazer ver a um estudante que ele falhou o exame porque nem olhou para os livros nem foi a uma única aula, ele responderá em tom convicto e sofrido que por causa dos professores "aquilo já está uma merda tão grande que um gajo nem se sente motivado para estudar" e prontos.
Quando uma vez lembrei a um professor que ele nem sequer tinha providenciado apontamentos ou uma bibliografia decente para a cadeira, a resposta dele foi "olhe, eu até ia fazer isso, mas como ninguém os ía ler de qualquer maneira, desisti".
Ou seja: cada um dos lados desculpa a negligência dos seus deveres e/ou a sua incompetência com a negligência e a incompetência dos outros.

E é mais ou menos assim que o país inteiro funciona. O único objectivo profissional de um bom lusitano é sacudir a culpa do capote e remeter as reclamações para outro departamento. O chefe diz que a culpa é dos madraços dos empregados, os empregados dizem que a culpa é do burro do chefe, mas o que é verdade é que os problemas não se resolvem. Os portugueses gostam que Portugal esteja numa merda, porque pensam que porque o país está numa merda têm uma desculpa para a incompetência e preguiça. Da mesma forma os portugueses gostam de ter políticos corruptos, porque estes lhes dão uma desculpa perfeita para fugirem aos impostos e desenrascarem subsídios a que não têm direito (quantas vezes já não ouvi dizer "olhe, se me comparar com o que os do parlamento fazem, ainda devia era de tirar eu mais!"?), porque os portugueses acreditam que o crime (pior) dos outros os absolve dos seus crimes (menores).

E se cada um começasse em vez de arranjar desculpas a olhar para si mesmo e a exigir a si mesmo competência, esforço e honestidade? Até porque as críticas de quem o fizesse se revesteriam de uma legitimidade moral que muitos dos que hoje se queixam não têm.